1,5 anidroglucitol, um novo biomarcador para a avaliação rápida das variações glicêmicas

O laboratório no controle glicêmico do paciente diabético: hemoglobina glicada, frutosamina e 1,5 AG
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O laboratório no controle glicêmico do paciente diabético: hemoglobina glicada, frutosamina e 1,5 AG

Dra. Rosita Fontes e Dra. Suemi Marui*

O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica cuja prevalência foi estimada em 9% pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2014, e também responsável por mais de 1,5 milhão de mortes no mundo.

O bom controle glicêmico está inversamente relacionado ao desenvolvimento e à velocidade de progressão das complicações associadas ao DM, macro e microvasculares, especialmente aterosclerose, Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Encefálico (AVE), bem como retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética. A monitoração do controle glicêmico pode ser feita classicamente com a automonitorização e a mensuração da hemo- globina glicada (HbA1c). Entretanto, existem algumas limitações na avaliação da HbA1c que o médico assistente deve ter conhecimento. Para ultrapassar essas limitações, o controle glicêmico pode ser feito com a frutosamina e por meio do novo biomarcador 1,5 anidroglucitol.

HEMOGLOBINA GLICADA (HBA1C)

A partir de 2010, a HbA1c passou a ser usada também no diagnóstico de diabetes e pré-diabetes, sendo mais fácil de realização do que o Teste de Tolerância à Glicose Oral (TTGo) e não necessitando de jejum para a sua realização.

Outra vantagem da sua utilização também é a pouca variação intraindividual e poder ser coletado em qualquer hora do dia. No processo de glicação da hemoglobina, a glicose atravessa a membrana celular da hemácia e se liga à hemoglobina em uma reação não enzimática irreversível, proporcionalmente a concentração de glicose no sangue. Cerca de 1% das hemácias são destruídas e formadas diariamente. Portanto, a quantidade de alterações que a hemoglobina sofre é dinâmica e é proporcional à concentração de glicose durante a vida média da hemácia, ou seja, cerca de 120 dias. Por causa dessa ligação, a vida média da hemácia e o tipo de hemoglobina influenciam a concentração da HbA1c.

A exigência de controle de qualidade pelo NGSP (National Glycohemoglobin Standardization Program) fez com que os ensaios da HbA1c se tornassem precisos e exatos. A glicose média estimada dada pela concentração de HbA1c obrigatoriamente deve acompanhar o laudo do exame. Com isso, o paciente e o médico assistente podem avaliar e comparar com a monitorização da glicemia.

Quando há discrepância entre a média estimada de glicemia dada pela HbA1c e a feita pelo paciente, algumas situações devem ser lembradas (tabela 1).

O paciente pode estar se automonitorizando quando não há a hiperglicemia, geralmente no jejum e não após as refeições, causando HbA1c elevada com o controle normal. Ou a média da glicemia estimada pela HbA1c está muito abaixo da monitorização do paciente, pois o paciente não fez o controle nos episódios de hipoglicemia ou de madrugada. Nestes casos, o médico assistente pode reorientar os horários em que os controles glicêmicos devem ser feitos.

O valor da HbA1c pode estar falsamente alto, quando a vida média da hemácia fica prolongada. Isso ocorre na presença de anemia, tanto ferropriva quanto por deficiência de ácido fólico e vitamina B12.

Com o mesmo racional, o valor da HbA1c pode estar falsamente baixo, quando a vida média da hemácia for menor. Isso ocorre na presença de hemólise, como em pacientes em diálise, que recebem eritropoietina ou estão em tratamento da anemia.

Na presença de hemoglobinopatia, tanto heterozigoto quanto homozigoto, a concentração de HbA1c pode sofrer interferência, dependendo do método, apresentando valores superiores ou inferiores ao valor real. Geralmente se suspeita quando o resultado da HbA1c for < 3% ou > 15% ou quando há muita discrepância dos valores na mudança de metodologia do laboratório. Muitos métodos não sofrem interferência na presença de hemoglobinopatia, mas devemos lembrar que, mesmo assim, os pacientes portadores podem apresentar hemólise, diminuindo a vida média da hemoglobina ou receber transfusão sanguínea, confundindo o controle glicêmico.

Paciente em uremia pode apresentar uma falsa elevação da HbA1c por interferência analítica pela formação da hemoglobina carbamilada.

O uso de fenobarbital proporciona maior ligação da glicose à hemoglobina, interferindo na análise.

Alguns estudos associam valores mais altos de HbA1c em afrodescendentes, hispânicos e asiáticos. Entretanto, a correlação entre complicações crônicas do diabetes e da HbA1c elevada persiste.

Avaliando a prevalência de retinopatia, os pacientes afrodescendentes apresentaram HbA1c menores em comparação com caucasianos. Independentemente da etnia, as complicações diabéticas podem ser evitadas com a manutenção de HbA1c baixa.

Gestantes no último trimestre de gestação podem apresentar HbA1c falsamente elevadas em de- corrência da anemia ferropriva, não existindo uma padronização.

FRUTOSAMINA

O processo de glicação também acontece em outras proteínas, além da hemoglobina. A frutosamina sérica pode ser usada em substituição à HbA1c, pois apresenta uma boa correlação.

Alguns ensaios são mais fáceis de realização e mais baratos que a dosagem de HbA1c. A utilização da frutosamina é indicada para a monitorização mais precoce, pois a meia-vida é mais curta que a hemoglobina (28 dias), refletindo a média de glicemia nos últimos 10-15 dias.

A frutosamina não deve ser usada em pacientes com síndrome nefrótica ou desnutrição pela sua menor concentração, e, consequentemente, valores falsamente baixos.

A HbA1c é uma excelente ferramenta para o diagnóstico e o seguimento de pacientes com diabetes, mas não podemos nos esquecer das suas limitações, principalmente o longo período que reflete. Da mesma maneira, a frutosamina também pode ser usada para as avaliações mais recentes, mas também possui limitações. Assim o novo biomarcador 1,5 anidroglucitol pode auxiliar na avaliação rápida das variações glicêmicas e nas situações em que a HbA1c e a frutosamina são limitadas.

1,5 ANIDROGLUCITOL, UM NOVO BIOMARCADOR PARA AVALIAÇÃO RÁPIDA DAS VARIAÇÕES GLICÊMICAS

O 1,5 Aminoglucitol (1,5 AG) é um monossacarídeo semelhante à glicose, diferenciando-se desta apenas pela ausência de um grupo hidroxila (OH) no carbono 1 (C1), tornando-o uma 1-deoxi-glicose (figura 1). Esta molécula foi isolada inicialmente da Polygala senega, depois se constatou que estava presente em alta quantidade na soja, em outros cereais e nas carnes; atualmente se sabe que está presente em praticamente todos os alimentos. A síntese endógena parece contribuir com apenas 10% do composto no organismo. Apesar da fonte dietética, o fato de ser um composto metabolicamente inativo e ter meia-vida longa, faz com que seja mantido um pool relativamente grande e concentração de 1,5 AG constante.

Em condições normais, praticamente todo o 1,5AG é filtrado pelo rim a uma taxa de 5a10g/L. Em seguida, 99% são reabsorvidos no Tubo Contornado Proximal (TCP), o que ocorre por meio de competição com a glicose pelos transportadores sódio/glicose (Sodium/Glucose Transporters -SGLT) que, assim como para a glicose, também têm afinidade para 1,5 AG (figura 2a).

Na hiperglicemia, a glicose está em excesso no filtrado que chega ao TCP, o maior oferecimento de glicose leva à reabsorção mais baixa de 1,5 AG e, consequentemente, mais deste monossacarídeo é eliminado na urina levando à diminuição de seus níveis no sangue (figura 2 b). Desse modo, a consequência direta da hiperglicemia é o 1,5 AG mais baixo no sangue.

A magnitude da alteração do 1,5 AG no sangue depende da magnitude da hiperglicemia e, consequentemente, da glicosúria. A duração da alteração do 1,5 AG também é proporcional a uma alteração de glicemia, refletindo os seus níveis rapidamente, em 24 a 72 horas após, seja hiperglicemia ou sua normalização. Desse modo, é um indicador sensível das variações glicêmicas.

As principais indicações para a dosagem do 1,5 AG são:

. Situações em que a manutenção do controle glicêmico mais estrito é necessária;

. Como indicador de glicemias pós-prandiais recentes em pacientes com glicemias pré-prandiais normais, mostrando, precocemente, possíveis elevações de glicemia nesse período;

. Na gestação, em que está habitualmente mais baixo. Estudos indicam que a sua concentração sérica poderia permitir a discriminação entre gestantes saudáveis e com DM gestacional (DMG) até a 23a semana e serviria como um exame auxiliar para o diagnóstico. Futuros estudos populacionais serão necessários para permitir a recomendação deste como um marcador para triagem ou diagnóstico do DMG em estágios precoces da gestação.

A figura 3 compara, esquematicamente, os tempos que cada marcador indica em relação à resposta à variação glicêmica.

Em relação às limitações quanto à sua interpretação, não se sabe até que ponto os níveis de 1,5 AG poderiam ser afetados pela Doença Renal Crônica (DRC), havendo relatos de correlação negativa entre o 1,5 AG e a creatinina em indivíduos com DRC. Em relação à interferência analítica, a creatinina somente altera o 1,5 AG quando acima de 10 mg/dL.

Concluindo, o 1,5 AG permite tanto a avaliação em curto prazo do controle glicêmico inadequado com picos de hiperglicemia, que cursam com diminuição de 1,5 AG no sangue, como do restabelecimento do estado glicêmico, com retorno de 1,5 AG para valores normais. Desse modo, a dosagem 1,5 AG pode desempenhar um papel adjuvante no controle do DM, especialmente como um marcador único de curto prazo para as excursões de hiperglicemia para além do limiar glucosúrico.

REFERÊNCIAS

www.dasa.com.br/referencias

*Dra. Rosita Fontes

Endocrinologista e preceptora de residência médica em endocrinologia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luis Capriglione (IEDE/RJ); Professora associada do curso de especialização em endocrinologia e metabologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ); Médica da DASA.

*Dra. Suemi Marui

Doutora em endocrinologia-FMUSP; Chefe da Unidade de Tireoide; Disciplina de endocrinologia HC-FMUSP; Assessora em endocrinologia DASA.

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